Um estudo recente publicado na revista Nutrients explora a conexão entre as mudanças na microbiota intestinal durante os primeiros 1000 dias de vida de uma criança e o surgimento de alergias alimentares (AAs). As doenças alérgicas, incluindo asma, eczema e AAs, tornaram-se cada vez mais comuns, especialmente entre as crianças. Essas doenças são resultado de respostas anormais do sistema imunológico a alérgenos. Nos Estados Unidos, 1 em cada 13 crianças sofre de AAs, o que impacta significativamente suas vidas diárias.
A revisão destaca a importância da microbiota intestinal na influência das respostas e desenvolvimento imunológico. A exposição precoce a micróbios desempenha um papel benéfico no desenvolvimento do sistema imunológico. A “hipótese da higiene” sugere que infecções precoces protegem contra alergias, mas a adoção de estilos de vida higienizados interrompe esse processo natural. Fatores como amamentação promovem o estabelecimento de uma microbiota intestinal saudável em lactentes, mas outros fatores como métodos de parto e o uso de antibióticos podem alterar a composição da microbiota intestinal.
Estudar as mudanças na microbiota intestinal nos primeiros anos de vida pode fornecer insights sobre o surgimento de alergias. No entanto, mais pesquisas são necessárias para identificar intervenções específicas que possam prevenir as alergias.
A revisão realizou uma análise detalhada da literatura de 2013 a 2023, focando em artigos originais, ensaios clínicos, meta-análises e revisões em inglês. Diversas palavras-chave foram utilizadas para identificar estudos relevantes, enquanto relatos de casos e cartas foram excluídos.
Microbiota intestinal se refere a todos os microorganismos presentes no corpo humano, principalmente bactérias, mas incluindo vírus, fungos e outros. A microbiota intestinal, em particular, é caracterizada por sua riqueza e diversidade. Riqueza se refere ao número de espécies bacterianas diferentes presentes, enquanto diversidade indica a abundância de cada bactéria por espécie. Existem dois tipos de diversidade – diversidade alfa, que mede a complexidade de uma amostra, e diversidade beta, que descreve as diferenças na composição bacteriana entre as amostras. Atopia, uma predisposição para alergias, pode influenciar a diversidade intestinal, e a exposição a microorganismos específicos pode induzir resistência contra inflamações.
Mudanças epigenéticas, que alteram a expressão genética sem modificar as sequências de DNA, desempenham um papel no desenvolvimento de alergias. Hábitos alimentares podem influenciar a composição da microbiota intestinal, afetando as funções intestinais, a expressão gênica e as respostas imunológicas. Metabólitos derivados da microbiota também influenciam a expressão gênica. Fatores alimentares como certas proteínas e lipídios podem impactar a saúde intestinal, enquanto a amamentação está associada a padrões específicos de metilação do DNA em crianças. A revisão destaca a necessidade de mais pesquisas para compreender o papel da amamentação nessas mudanças epigenéticas e na prevenção de alergias.
Nutrigenética, que se refere à digestão e metabolismo de moléculas alimentares influenciadas pelos genótipos individuais, e a nutrição epigenética, que envolve a regulação da expressão gênica por fatores ambientais e dietéticos, também são importantes para entender as alergias alimentares.
Os primeiros 1000 dias de vida, que incluem a gravidez, o período neonatal e os dois primeiros anos de vida da criança, são cruciais para o estabelecimento de uma microbiota intestinal saudável. Diversos fatores durante esse período podem influenciar a composição da microbiota intestinal, alguns benéficos e outros aumentando o risco de doenças. Fatores como parto vaginal, amamentação, vida rural, exposição a animais de estimação e uma dieta rica em fibras foram identificados como protetores contra alergias alimentares. O equilíbrio entre famílias bacterianas específicas é essencial para a saúde intestinal, e desvios desse equilíbrio podem indicar uma microbiota imatura. Os ácidos graxos de cadeia curta, especialmente o butirato, têm papéis protetores contra doenças autoimunes e inflamatórias.
A revisão também explora o impacto da saúde intestinal durante a gravidez nos riscos de alergias. A dieta materna pode moldar a microbiota intestinal do recém-nascido, afetando o desenvolvimento de alergias. Nutrientes como vitamina D e certos ácidos graxos desempenham um papel crucial. Dietas ricas em vegetais e iogurte durante a gravidez promovem a saúde intestinal nos filhos, enquanto outros alimentos podem aumentar o risco de alergias. Morar em fazendas tem sido mostrado para fortalecer o sistema imunológico das crianças através da ativação de células T reguladoras.
O modo de parto, seja vaginal ou cesariana, afeta significativamente a composição da microbiota intestinal dos recém-nascidos. A localização do parto, como em casa ou em hospital, também pode impactar a saúde da criança.
A revisão destaca a importante ligação entre a microbiota intestinal e o desenvolvimento de alergias alimentares. Variações na abundância e riqueza bacteriana nos primeiros meses de vida podem prever a sensibilização a alimentos específicos no futuro. Além disso, o uso de antibióticos durante os primeiros anos de vida, que altera a composição intestinal, está ligado ao desenvolvimento de alergias.
Ao contrário do que se acreditava anteriormente, o leite humano não é estéril e contém uma variedade de micróbios da cavidade oral do lactente e do intestino da mãe. O leite materno desempenha um papel fundamental na influência da microbiota intestinal do lactente e pode impactar o potencial desenvolvimento de alergias alimentares.
Os oligossacarídeos do leite humano (HMOs) têm recebido atenção por seus papéis benéficos no desenvolvimento do lactente. Esses compostos não são digeridos no intestino superior e servem como alimento para bactérias benéficas, potencialmente prevenindo alergias.
A introdução de alimentos sólidos na dieta do lactente aumenta a diversidade microbiana no intestino. O momento da introdução de alimentos sólidos pode influenciar a diversidade e o metabolismo intestinal. O adiamento da introdução de alimentos alergênicos não é recomendado, pois a exposição precoce pode prevenir alergias alimentares. Diferentes práticas alimentares, como o desmame guiado pelo bebê, também influenciam a microbiota intestinal e as sensibilizações alimentares potenciais.
Antes do surgimento de alergias alimentares, é observada a disbiose, um desequilíbrio nas comunidades microbianas. A disbiose compromete a barreira intestinal, amplificando as reações alérgicas. A sensibilização alimentar é a primeira indicação do surgimento de alergias alimentares.
Em conclusão, a revisão destaca o papel importante das mudanças na microbiota intestinal durante os primeiros 1000 dias de vida no surgimento de alergias alimentares em crianças. Fatores como amamentação, parto vaginal, vida rural e uma dieta rica em fibras têm sido associados a um menor risco de alergias alimentares. Compreender o impacto desses fatores e o papel da microbiota intestinal pode contribuir para o desenvolvimento de intervenções para a prevenção de alergias.
Fontes:
– “The First 1000 Days of Life: How Changes in the Microbiota Can Influence Food Allergy Onset in Children,” publicado em Nutrients.